terça-feira, 15 de outubro de 2013

DESABAFO de PROFESSOR

Quando me perguntam: qual a sua profissão? Respondo: Professora, às vezes lembro do complemento, universitária.
Não quis ser muita coisa quando criança: veterinária, decoradora e logo, professora. Já nas brincadeiras apontava o talento.
Tenho 15 anos e meio de magistério, dos quais 15 em nível superior. Não sou pedagoga, sou cientista social de formação e pós-graduação. Confesso que raramente me sinto uma antropóloga ou socióloga, minhas áreas de expertise.Me sinto mais a vontade com o  "prof." do que com o "Dra".
Não gostaria de fazer outra coisa. Faço o que gosto.
O que incomoda é a noção, cômoda para a visão mercantilista, que magistério é quase um sacerdócio. Tenho profissão, sou um trabalhador. Não preciso de agrados em datas comemorativas, preciso, ou melhor, exijo respeito pela profissão que escolhi.
Sempre me causa graça quando pessoas, até mesmo colegas de profissão, me perguntam: além de dar aulas você faz o quê?
Tenho duas interpretações possíveis para a pergunta. A primeira vem da insignificante remuneração salarial da categoria, mesmo em topo de carreira, como no meu caso, com todas as titulações possíveis, a remuneração fica a desejar. Então penso que a pessoa pergunta sobre uma segunda carreira para saber como sobrevivo, já que o salário não contribui adequadamente para o sustento. E a segunda vem do desprestígio, e isso explicaria o baixo salário, que a carreira profissional tem em nossa sociedade. Professor não é um trabalhador que gera um bem de grande visibilidade, como os engenheiros e os arquitetos; não salva vida como os médicos; não tira ninguém da cadeia, como os advogados. E não movimenta fortunas.
Nossa ação é silenciosa e subversiva. Formamos cidadãos, massa crítica e pensante. Ampliamos os horizontes, ensinamos a voar, andar, construir, pescar, produzir, salvar, defender, enfeitar, curar, amar,imaginar,sonhar,lutar, falar, dirigir,agradecer, respeitar, viver... e na contrapartida da prática do magistérios, aprendemos a  voar, andar, construir, pescar, produzir, salvar, defender, enfeitar, curar, amar,imaginar,sonhar,lutar, falar, dirigir,agradecer, respeitar, viver...
Não estamos no topo, estamos no meio ajudando a construir e sustentar a sociedade numa relação de reciprocidade e respeito. Como diz Paulo Freire: "Quem forma se forma e re-forma ao formar  e quem é formado forma-se e forma ao ser formado". 


Aos meus amigos de profissão.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Viver de poesia


 Queria viver de poesia, não de escrevê-las, nasci sem o dom, mas de vivê-las.

 É possível viver de poesia? Já vi pessoas que vivem só de luz, mas de poesia?

 O poeta maior, Manoel de Barros, classificou a poesia como o oficio dos inúteis, qual será o destinos dos consumidores de poesia? Se nem ao menos possuem o dom da inutilidade?

O limbo talvez? nem ele existe mais para salvar a alma dos que sonham com poesia. Talvez sejamos éter, água, fogo, terra, ou quem sabe somos apenas o nada preenchidos de tudo, da imensidão da vida de outras pessoas!

Não conseguiria viver de poesia aos 20, queria viver de carne, paixão, da terra, do concreto. Aos 40 posso ser éter e viver de poesia!

São Paulo,

30/08/2013

sábado, 30 de março de 2013

A morte do rei nu.


Esta crônica da Inaê Magno fala-nos de uma velha história, atualizada pelos anos de comodismo que nos acostumamos a viver. Boa leitura!

Vem o rei pelo caminho. Coberto de ouros, claro. Manto, coroa, cetro. Vê-se-lhe pouco mais que os olhos.

- Cansados.

- É da viagem.

Avança lento entre os populares. Histriônicos adoradores gritam-lhe elogios:

- Fantástico! Absoluto!

Atrasado, um parente tenta alcançá-lo. Corre. Ziguezagueia. Dribla um e outro. Há muita gente no caminho. O monarca sempre um passo à frente. Estende o braço. Toca-lhe o manto. Perde-o. Espreme-se entre o populacho. Faz cara de asco. Estica-se um pouco mais. Alcança-lhe novamente as vestes. Puxa-as entre os dedos. Chama-o:

- Senhor, Senhor!

O rei faz cara de mouco.

Muito cansado, atordoado, já em desespero, o pobre parente olvida o protocolo e berra com despudorada intimidade, a roupa do soberano agora em suas mãos:

- Coronel! Estou aqui. Olhe para mim!

O povo pára. Entreolha-se. Alguém aponta:

- O rei está nu!!!

A multidão galhofa. Puro escárnio:

- Como é pequeno!

O séquito corre a remendar:

- Esplêndido!

- O rei é ainda mais belo nu!!!

- Lindo! Lindo! Ovaciona-se do mundaréu.

A essa altura já não se vê sua majestade. A corte formara imenso muro contra o povo. Apenas vozes. Elogios:

- Maravilhoso! Divino!

O monarca até pensa em cobrir as partes, diminuído. Mas há muito com o que ocupar as mãos. O poder é grande e pesa. E pensando bem, a transgressão o diverte. Lembra-lhe os velhos tempos. Segue então peladão, todo prosa.

Lá do céu, um tanto enciumado, entre bolachas de goma e a velha escarradeira, Deus condena do colega a soberba:

- Curva-te, pagão. Beija minha mão.

E lança um raio de cem mil watts sobre o ventre do coitado.

O homem enverga. Desmedida é a dor. Só que é de lei. Torar que é bom, nada. O nariz só aponta para o norte, tem jeito não.

Alguém nota-lhe o sofrimento:

- O rei está doente!

De pronto, a ladainha:

- Pai nosso que estás no céu, santificado seja o Vosso nome, proteja nosso Senhor da dor, da morte, da desgraça...

Ouvindo aquilo, Deus se enfurece. Quem esse reizinho pensa que é? Esnobe. Impudico. Infiel. E tome-lhe praga. Vamos ver se quem dobra não quebra?

- Pecador, eu te condeno. Venha a mim. Precisamos conversar.

O rei nu, coronel de exército nenhum, vê-se então explodir em chagas.  Imundo, borbulhante, purulento.

Uma criança que se embrenhara entre as gigantescas pernas da nobreza, exclama:

- Eca!!! O rei está podre. Que nojo! Vai morrer!

- Ai, meu Deus, grita a beata, nosso rei vai morrer? Valha-me nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!!

Ao ouvir a blasfêmia, o parente que o desnudara enraivece-se:

- Ô gente burra! Odeio esse povo! Não diga “amém”, sua jumenta! Latim em boca de pobre, pérola em chiqueiro...

- Cala a boca, excomungado!

- A culpa é toda sua, Judas! O rei era magnífico enquanto vestido.

- Não bastasse o cancro no bucho, agora isso de apodrecer. É a ira do Pai. Só pode ser.

- Não pragueja, herege! Se foi o próprio Deus quem nos deu sua majestade...

- A natureza não tem escrúpulos morais, pessoal...

- Ateu, desgraçado!

- Nosso rei vai morrer! Nosso rei vai morrer!

E dá-lhe reza:

- Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, salva nosso Pai da dor, da morte, da desgraça...

Sonhando-se imortal, mas conhecendo bem o rio que corre entre o sono e o sonho, o absoluto, ainda curvado pela estúpida dor, olha-se enfim. Vê-se tomado de lepra. Os pés caminhando sobre o charco de sua própria imundície. Absurdo. Pavoroso. Carniça ambulante.

O menininho que lhe notara o horror, agora chora, levando consigo uma legião de inconsoláveis devotos a sofrer-lhe antecipadamente a perda.

E a beataria segura na reza:

- Creio em Deus-Pai, Todo Poderoso, criador do céu e da terra, defende nosso Salvador da dor, da morte, da desgraça...

Da multidão, uma voz proverbial:

- Vai-se o homem, fica o mártir!

Ah, não. O rei acha aquilo demais. Mártir?! Pera lá. Isso de morrer não está em seus planos!

Ele, que passara a infância de missa em missa, padre em padre, bem sabe que Deus gosta é de elogio (bom entendedor que é dos assuntos da vaidade). Dá então os dedos para ver salvo os anéis. Lança-se de joelhos no asfalto quente, ergue as mãos altíssimas aos céus, cerra os olhos para fingir-se embargado e grita... Não, não grita. Não lhe cairia bem. Apenas fala. Baixo. Bem baixinho mesmo. Cochicha aos ouvidos do Patrão:

- Piedade, Senhor. Piedade!

E cai. Já sem vida (Deus não estava mesmo para brincadeira!). Asfalto quente. Povão. Reza. E mais reza.

A jagunçada corre sobre o cadáver. Saca-o rapidamente de lá.

Alguém pensa em perguntar se o rei morrera. Teme. Desiste. Era audível o rosnar dos cães.

A multidão se dispersa. Tudo volta ao normal.

Dias depois, a notícia:

- O rei está morto!

(Mas morreu em leito de ouro, não custa lembrar).

 Inaê Magno.


Brasília, 28 de março de 2013.

sábado, 23 de março de 2013

Naturóloga de Araque!

Como já falei algumas vezes, tem profissões que escolhemos e outras que nos escolhem. Eu escolhi o magistério e a Antropologia e fui escolhida pela Naturologia.
Na semana em que se comemora o dia do Naturólogo (23 de março) fui presenteada com uma bonita homenagem feita pelos alunos de Naturologia da Universidade Anhembi Morumbi. Instituição que trabalho há 15 anos e curso que ministro aula há 10.
A homenagem se deve a minha recém defendida tese de doutorado: Naturologia, um diálogo entre saberes. Trabalho que é fruto de uma relação de cumplicidade com meus alunos e colegas de curso e de uma militância intelectual que abracei quando fui, no ano de 2002, convidada a ser professora do então recém inaugurado, curso de Naturologia da Anhembi Morumbi.
Com gratidão e os olhos rasos d água publico aqui nas palavras do aluno Ricardo de Almeida a referida homenagem:
“É com imensa gratidão que o Centro Acadêmico de Naturologia presta homenagem a professora doutora Adriana Elias Magno da Silva por suas contribuições para a Naturologia, principalmente por sua tese de doutorado defendida ano passado, Naturologia: diálogo entre saberes. Ao mesmo tempo em que a Naturologia inspirou a professora Adriana com sua produção intelectual ela nos inspirou com sua contribuição na construção do conhecimento acadêmico que sustenta a Naturologia. Como docente e como pesquisadora a professora Adriana nos inspira a expandir nossos horizontes ao se pensar a Naturologia e suas relações com nossa época, nossa cultura e nossas vidas profissionais. As aulas da professora Adriana nos abrem para um novo paradigma e instiga os alunos a procurarem novas formas de pensar e estar no mundo, abrindo espaço para a reforma das mentalidades da qual nossa época necessita”.
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