quinta-feira, 24 de março de 2022

"A minha vida intelectual é inseparável da minha vida"


A minha vida intelectual é inseparável da minha vida

Não sou daqueles que têm uma carreira, mas do que têm uma vida

                                                                  (Edgar Morin)

                                                                                                                                  



Essas frases proferidas por Edgar Morin impregnaram minha consciência desde cedo. Aos 23 para 24 anos quando comecei a fazer meu mestrado, foram elas que me guiaram, e ainda guiam meu caminhar. Sempre achei muito complicado tecer o percurso entre o desenvolvimento de uma carreira e a vida pessoal. Tive um jovem professor na universidade que me disse, com sabedoria, que depois dele fazer uma maratona entre graduação, mestrado e um concurso para o magistério público superior, ele estava, naquele momento, dando uma pausa, segundo ele: estava vivendo a vida e que essas pausas eram necessárias, até para o amadurecimento intelectual.

Pois é, quem opta por profissões ligadas a vida acadêmica entende bem o quanto essa opção pode consumir muito da vida pessoal. Gostei tanto do conselho, ainda mais porque depois desta sugestão eu já me encontrava longe de casa, morando em outro estado e cursando meu mestrado, que o segui à risca. Após o término da minha pós-graduação foram longos 10 anos até meu retorno para finalização da jornada com meu doutoramento. Nesse meio tempo veio o casamento, o filho, emprego, depressão pós-parto, muitas reformas de minha casa... não necessariamente nessa ordem.

Esse preâmbulo sobre minha vida é um parêntese para explicar o motivo pelo qual as palavras de Morin calaram fundo em meu peito. Viver é necessário, e no emaranhado do que é viver, minha vida intelectual e pessoal estão sempre construindo uma única trama.

Em épocas de socialização virtual essa questão torna-se ainda mais latente. Nas mídias sociais a vida e a profissão tomam, pelo menos nas aparências, caminhos distintos. Isso é coisa que me intriga. Vivemos um tempo que se posicionar é necessário, mas as pessoas preferem a tal da aparência, da neutralidade. Mas sejamos honestos, neutralidade não existe. A vida é política, ela nos obriga a tomar posicionamentos e eles nos guiam o tempo todo quer seja na vida pessoal ou profissional.

Quando fui professora de ética (fui por mais de 10 anos) sempre instigava meus alunos a pensar sobre as implicações morais e éticas presente na relação entre a vida pública e a privada: será que o mau chefe, o sem caráter, é uma pessoa correta em casa, na sua vida privada? Será que o moralista é realmente moralista entre 4 paredes? Sempre me divirto quando a mídia expõe alguma celebridade que deixa claro que entre o discurso e a prática sua vida é um espaço esquizofrênico.

Então levanto a bandeira: por menos esquizofrenia no mundo! Sejamos nós mesmos, sempre. Confesso que seremos poucos nesse caminhar, o mundo das aparências tem vencido por séculos a batalha entre a relação da vida pública com a privada. Tem teses sobre isso, muitas. Esqueçamos as teses, estatísticas e vamos focar na felicidade e na verdade, pergunte a si mesmo como ser feliz reconciliando vida pública com vida privada?

Na realidade, não existe fórmula para resolver esse dilema, elas nunca existem. Apenas parta do princípio de quem você é e o que te faz feliz. No meu caso é não fracionar as minhas redes sociais entre profissional e pessoal, é entender que mesmo tentando construir uma carreira acadêmica e intelectual, ela terá que se encaixar na minha vida e sofrerá ausências, impermanências e reticencias.

Para encerrar esse desabafo, quase uma escrita terapêutica (risos), quero lembrar a voz de um outro pensador de quem eu gosto muito: Darcy Ribeiro. Dizia o mestre, mais ou menos assim, como tenho guardado na memória: Não procure nas minhas obras análises isentas, sou um homem de fé e de partido.