domingo, 14 de outubro de 2012

Os Amigos


Meses se passaram na ausência dos amigos. Com a vida corrida, os afazeres se acumulando não percebia que sentia falta das almas amigas, das mentes irmãs.
A vida moderna e seu ritmo impresso pelo trabalho aprisiona os seres em cavernas povoadas de estranhos. A existência é solitária e comunitária numa simultaneidade de encontros e desencontros, afinidades e antipatias.
Notou que precisava das afinidades. Não da uniformidade, mas dos semelhantes em espírito, mesmo que divergentes em ideias. Os seus pares precisam ser como ele, espíritos livres, corações tolerantes e abertos à diversidade, a multiplicidade da vida. O convívio com a diferença é o grande desafio da vida social. Exercício que é por vezes cansativo e indigesto. Porque achar certo que o sectário político ou religioso possa andar livre proferindo ridículas afirmativas sobre suas crenças? Aquilo lhe era intolerável. Pronto! Era ele mesmo um preconceituoso, um prosélito. Suas idéias liberais esbarravam no propósito final do liberalismo: a própria liberdade.
Então não era um liberal, era um partidário convicto da impossibilidade da convivência da diversidade, ou melhor, era convicto que a diversidade precisa ser mediada por regras e limites, afinal ela não é libertinagem, requer disciplina!
Praticamente um conservador e antiliberal, desceu a rua em busca de um orelhão, não havia ainda, na vida privada, aderido as modernidades, deixa os e-mails e celulares para o ambiente de trabalho. Local em que não é livre.
Pretendia marcar apenas um bate-papo informal e despretensioso com os companheiros da boemia e da devassidão, seus camaradas de armas.
Para quem ligar primeiro? Olhou o relógio, era cedo, 20:00 horas de uma infinita sexta-feira. Bom, qualquer um devia estar livre para a noitada que se anunciava em seu peito. Discou ansioso para o primeiro número que lembrou, o Carlão.
Em viagem ao Peru? Por Deus, quem viaja ao Peru? Tinha o Carlão que ser engenheiro de obras e saneamento e participar de uma conferência internacional sobre saneamento urbano no Peru?
O Roberto, esse era bancário, não devia estar em nenhum lugar que não fosse a sua casa assistindo a televisão. 
No pronto socorro com o bebe de 6 meses. Mas já nasceu? Não estava grávida a Aninha? Como são rápidos os nascimentos hoje em dia.
Felipe, esse era difícil, empreiteiro de obras, filósofo de formação, mas construtor por vocação familiar. Em Santos concluindo uma obra. Eram quase favas contadas.
O Leandro e a Kátia, casal sem filhos, ele editor, ela dona de galeria. Separados? Há um ano? Qual motivo? Ele resolveu assumir a homossexualidade? Era gay? Que choque! Topava sair no sábado, tinha um compromisso com o novo namorado hoje. Ok. Vamos marcar claro, sou mais ou menos um liberal, por que não? Ou sou um conservador que acha que é liberal?
Desistiu. Ainda restavam alguns números, mas havia perdido o tesão. Lembrou do relatório que precisava entregar na segunda e achou melhor começar hoje mesmo. Deu a volta e seguiu em direção ao metrô numa marcha lenta e resignada, igual às percorridas pelos derrotados de guerra quando retornam ao lar.