terça-feira, 10 de abril de 2012

A mulher e o espelho

Um dia desses, preparando-me para dormir, ouvi da TV vizinha um reclame que dizia ser a brasileira a mais bela mulher do mundo. Sorri vaidosa, brasileira que sou.

Ocorre que ao me olhar em ti, escova entre os dentes, não me vi no reclame. Lancei dúvida, qual madrasta de conto infantil: “Espelho, espelho meu, há no mundo mulher mais bela que a brasileira?”. Por tua boca respondeu-me o mito, que tu és mudo: “É óbvio que não!”.

Deitei-me orgulhosa, mas não dormi. Em minha mente, mulheres em turbilhão. Milhares, milhões. Donas de beleza sem par, as mulheres que me invadiam traziam todas as faces do mundo. Eram alvas européias, africanas de ébano, andinas ancestrais, indianas douradas, negras mouriscas, lívidas asiáticas. Diferentes na tela e na moldura, essas extraordinárias pinturas igualavam-se no orgulho da fêmea, na dignidade do ser Mulher.

Olhando-as uma a uma, descobri um mundo gigantesco a transbordar o meu, minúsculo. Um tapa na cara. Levantei-me, revoltada. Como tiveras, espelho, coragem de tamanha leviandade? Por que ao menos não ponderaras um “talvez”? Ou um sincero “quisera”, ainda melhor. Mas, não. Preferiras dar voz ao mito. Biltre enganador!

Furiosa, desvendada, quebrei-te (que o mito não é de vidro).

Corri à janela e pouco vi. Céu sem aves, muro alto, a TV vizinha. Imagens desconexas e repetidas de mulheres mitológicas pululavam tela afora, em mântrica sucessão.

Umas, famélicas, candidíssimas, apáticas, assimétricas. Cabeças imensas, pernas flamingas, tintas absurdas nas maçãs, nas bocas, nos olhos. Roupas de não vestir. Lúgubres fantasmagorias femininas.

Outras, patifescas, sex symbols invertidas, anabolizadas, menos humanas que polímeras, verdadeiros franksteins da moderna camuflagem cirúrgica ou cosmética. Tudo o que tinham só se lhes pertencia por direito de consumidor, nada era de Deus ou de si. Mercadoras farsantes da eterna juventude, do infinito carnaval.

Ei-las, as brasileiras do reclame. Qual mesmo sua beleza?

Tornei a ti, lançado ao chão. Doeu-me ver-te assim em pedaços. Que impiedosa fui! O que poderias saber das coisas? Pobre objeto, como eu, viras do mundo pouco mais que o céu dos pássaros, o muro alto e a TV vizinha. Não mentiras, afinal. Crias, pois sim, na fábula absurda da mais bela mulher do mundo, a do reclame.

Agora choro, como não? Não fosse essa vaidade imbecil, não estaria aqui falando aos teus cacos, amigo, tu que fostes o confidente fiel de minhas mais íntimas horas. Poderia até sacar-te à parede e levar-te a ver o mundo para além do muro alto. O mundo que é imenso e lindo, cheio de mulheres reais. Lindas mulheres reais, não as do reclame.

Mas sou assim mesmo, explosiva, hormonal.

Perdoa-me, camarada, que não te quero mal. Descansa em paz!



Inaê Magno


Brasília, 16 de março de 2012.