segunda-feira, 15 de outubro de 2018

NADA A COMEMORAR: Carta/desabafo de uma professora.


Quem me conhece sabe o quanto amo a minha profissão, professora, apesar de ser formada, ter mestrado e doutorado na área de ciências sociais, poucas vezes me intitulei outra coisa que não professora. Sala de aula sempre foi lugar de prazer e realização, se nem sempre pude transmitir isso aos meus alunos, foi sempre assim que me senti, realizada e feliz.

Infelizmente, neste dia 15 de Outubro de 2018 pela primeira vez em 21 anos de profissão, não tenho nada a comemorar. Fui demitida em Junho passado da instituição na qual trabalhei por 20 anos não por ser uma profissional ruim ou que envelheceu para o ofício, fui demitida pelo simples fato de ser uma profissional cara, competente, mas cara.

Costuma-se repetir nos chavões populares que professor é hoje uma profissão desrespeitada, sucateada e mal paga. Muitos gostam de postar e enfatizar como o professor é respeitado e valorizado no país X e Y, mas poucos, muito poucos fazem realmente alguma coisa para mudar a situação no país em que mora e onde o magistério é visto como uma profissão menor, desvalorizada. Se vocês forem cuidadosos e procurarem dados oficiais vão ver em quais locais e porque os cursos de licenciatura ou magistério são abertos e vão entender que no Brasil professor é profissão de pobre e periférico e isso porque se tinha a ideia de que: “Professor não fica desempregado (não ficava), ganha pouco, mas tem trabalho”. Essa já não é mais uma máxima. Professor fica SIM desempregado e cada vez mais encontra menos opção de emprego e quando encontra as condições de trabalho são tão precárias e vergonhosas que desanima a recolocação no mercado de trabalho. Professor não é um profissional com um tempo pequeno de formação (4 anos); seja para o magistério fundamental, médio ou superior a formação precisa ser contínua, requer anos de estudo, tempo e dinheiro empregado e o retorno financeiro para este investimento hoje é praticamente nulo.

Meu segundo motivo para não ter nada a comemorar não é só saber que a situação do magistério atual é catastrófica, mas saber que ela tende a piorar! As análises mais recentes feitas por especialistas apontam (sugiro uma consulta ao material que o SINPRO-SP está produzindo sobre a questão) para uma maior precarização da profissão em decorrência do processo de mercantilização do ensino e das mudanças na CLT que passaram a permitir a terceirização da atividade fim de um comércio. No Brasil os conglomerados educacionais, fomentados pelo capital estrangeiro, estão contribuindo para tornar o ensino um negócio altamente lucrativo e isso, na conta dos investidores, só pode acontecer se a mão de obra empregada for barata, não interessa que na contra partida a qualidade do ensino oferecido seja ruim, o importante é o lucro obtido.

Na maioria das instituições particulares, não só o valor do salário está corroído, cada vez paga-se menos ao profissional com muita qualificação, mas se deteriora também o próprio ofício que está cada vez mais burocratizado e engessado por propostas pedagógicas tecnicistas e tacanhas na quais o professor é concebido como um mero reprodutor de ideias ou “facilitador” de ideias ruins; a mediação crítica, essencial para o aprendizado, está desaparecendo. As metodologias ativas, tão na moda ultimamente, têm servido apenas para consolidar esse quadro, são raros os casos nos quais ela realmente está sendo empregada com propriedade e permite a crítica e a reflexão. O discurso é de autonomia, a prática é de opressão.

Tão desanimador quanto o quadro atual é saber que ele pode e vai pior muito. O candidato à frente nas pesquisas eleitorais não pontua em seu plano de governo nenhuma preocupação em relação ao desmonte e precarização ocorridas com o magistério; ao contrário, em suas propostas o que se encontra são mecanismos para agravar ainda mais a situação existente. Estão inclusos em seu plano de governo ideias/chavões como “Escola sem partidos”, “menor doutrinação nas escola”, sabe-se que o que se propõe com isso é justamente o inverso do que se prega. “Não doutrinar” é não abrir espaço para o diálogo de ideias, é expurgar a reflexão crítica do processo de aprendizagem. Porque ensino por princípio não doutrina ninguém, mas estimula o debate e a reflexão para gerar independência de pensamento, aliás proposta muito antiga, socrática para quem ensinar era a arte de parir ideias. Achar que isso não ocorre é desconhecer o processo pedagógico.

O simples fato do candidato cogitar para ensino fundamental um modelo à distância (que supostamente vai aumentar o acesso das crianças à escola e pasmem, a proposta pensa principalmente as áreas rurais,  onde o acesso ao mundo virtual muitas vezes é inexistente!) e criticar as bases da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) porque “impregnadas” da ideologia de Paulo Freire é reforçar que o que se pretende para o ensino é que ele não seja o espaço para gerar pessoas críticas e com autonomia de pensamento, aliás proposta basilar da pedagogia freiriana tão massacrada no infame plano de governo. O mais contraditório é que mapas sobre a qualidade do ensino no Brasil estão presentes em seu plano, mas suas ações direcionam a educação para o oposto da constatação do fato.

Enfim, não tenho nada a comemorar, a situação é crítica, desanimadora e insegura para pessoas como eu que fizeram do magistério mais do que uma profissão, fizeram dele seu propósito de vida. É triste saber que o ensino está se transformando em uma mercadoria ruim, já é ruim saber que um direito fundamental como a educação possa ser cogitado como mercadoria, saber que ele é apenas cogitado como uma mercadoria, é ainda pior. Saber que a única ferramenta contra o obscurantismo, a opressão e a alheação é a educação e que por isso mesmo ela está sendo massacrada e estrangulada com propostas mercantilistas e alienadoras, dói profundamente!

Gostaria de vislumbrar um futuro melhor, mas não consigo. Gostaria de trazer palavras de esperança e otimismo aos jovens que sempre me encantaram e fascinaram pelo frescor da vida que eles representam, mas não as tenho. Mas guardo no fundo do peito, otimista como sou, que um dia elas irão brotar novamente e poderei escrever uma nova carta/desabafo, cujo título será: Tudo a comemorar!!!

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

IDOSOS E A INSENSIBILIDADE ADMINISTRATIVA NO BRASIL


Estou vivendo um drama familiar e gostaria de compartilhar, acredito que quando se tem um problema deve-se dividi-lo, trocar experiências, e criar uma rede de solidariedade e empatia, sensibilizar pelas experiências individuais os dramas comuns.
Minha sogra que é idosa, 92 anos, está com quadro de demência senil já há alguns anos. Está acompanhada por médicos, geriatras, etc. Depois da morte de um de seus filhos o quadro agravou. Recentemente a médica da UBS nos deu uma guia para o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) para um possível encaminhamento para um Centro Dia do Idoso (CDI) ou um ILPI (Instituto de Longa Permanência para Idosos).
Hoje consegui ir ao CRAS e dar o tal do encaminhamento necessário, péssima experiência. Constatei na prática aquilo que já sabia na teoria, o Estado é deficiente nas ações para a população idosa e seus familiares. Não pelo atendimento no órgão (CRAS), aliás fui bem atendida e acolhida, mas pela falta de alternativas que se descortinou a partir das informações recebidas.
 A primeira decepção: O CDI (as chamadas creche dos idosos) “é um equipamento social destinado à atenção diurna de pessoas idosas em situação de dependência, em que uma equipe multidisciplinar presta serviço de proteção social especial e de cuidados pessoais, fortalecimento de vínculos, autonomia e inclusão social”. Atende apenas pessoas do bairro no qual está instalado, não existe CDI em Pirituba onde moramos, o mais próximo é na Lapa e está fora da região de abrangência.
Segunda decepção na sequência: O ILPI que são locais de “acolhimento para pessoas idosas com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, com diferentes necessidades e graus de dependência, que não dispõem de condições para permanecer na família, ou para aqueles que se encontram com vínculos familiares fragilizados ou rompidos, em situações de negligência familiar ou institucional, sofrendo abusos, maus tratos e outras formas de violência, ou com a perda da capacidade de auto cuidado”. Este não se encaixa no tipo de assistência que necessitamos e tem um agravante, a pessoa que vai requerer o serviço não pode ter renda, minha sogra dispõe de uma pensão no valor de um salário mínimo. Sem comentários.
Quem já passou por situação semelhante sabe que o custo para uma família arcar com uma instituição particular ou profissionais particulares para idosos dependentes é muito caro, serviços como creches para idosos ou cuidadores em valores atuais, mesmo num bairro de baixa renda, como o que eu moro, são serviços que estão na faixa de 2000 a 3000 reais por mês.  Gasto que está muito além de qualquer renda familiar da classe média, média baixa ou de baixa renda.
Reportagem divulgada pela rádio da USP em Junho de 2018 aponta que em 2016 o Brasil tinha a 5ª maior população de idosos do mundo e que em 2030 o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos, a reportagem alerta ainda para o fato de que o país não se encontra preparado para enfrentar os desafios que o envelhecimento populacional representa. O maior deles, segundo a citada reportagem, não seriam as políticas públicas, ainda muito insuficientes para atender ao envelhecimento constante da população, mas “a ausência de sensibilidade administrativa para conduzir os serviços sociais”.
Recentemente, meu esposo viu uma reportagem sobre os idosos em Cuba, sim aquela ilha “comunista” perdida nos mares do Atlântico e ficou impressionado com o número de idosos no país e os serviços oferecidos; lá, diferente daqui, os Centros Dias de Idosos, carinhosamente chamados de Casas dos Avôs, são espalhados pelo país, e em 2017 eram 280 casas; apesar das desigualdades entre o Brasil e Cuba serem muitas, neste caso específico a maior diferença é a sensibilidade administrativa para conduzir o problema.
Quando há sensibilidade existe a elaboração e implementação de políticas públicas necessárias  eficientes (em Cuba em 2011 o então presidente Raul Castro considerou o envelhecimento da população um assunto sério e prioritário, em 2013 foi sancionado o decreto para medidas imediatas para o atendimento às Casas de Avôs e Lares de Idosos, em 2017 o número de centros tinha aumentado consideravelmente no país para atender a demanda da população), existe o cuidado em elencar serviços e profissionais ajustados às demandas e também existe a possibilidade de adequar os serviços as necessidades apresentadas pela população. Infelizmente isso eu não encontrei na minha ida ao CRAS. O que me deparei foi com um engessamento burocrático de serviços que não chegam ou não estão disponíveis à população porque fogem à “regra”. Mas a regra não deveria ser oferecer o serviço a quem precisa e quando se precisa?
Vejam bem, Pirituba é um bairro vizinho ao da Lapa onde está localizado o CDI, porque não oferecer um serviço já com a possibilidade de atendimento aos bairros vizinhos quando o mesmo não existir em um bairro? Não é muito este tipo de raciocínio para os serviços públicos, é bom senso, é razoável, é a sensibilidade administrativa em prática.
O que me pergunto é: não existe nenhuma outra possibilidade neste caso? Sento e choro?! Despacho minha sogra pra Cuba?! Na realidade existem duas, uma bem conhecida de nós brasileiros e quase sussurrada pela funcionária sensibilizada que me atendeu: o famoso “Jeitinho”; se eu conseguir alguém que me empreste o endereço de residência na Lapa, posso inscrever minha sogra na lista de espera do programa e aguardar para ver se seremos contemplados a tempo. São 92 aos, não temos muito tempo. A segunda, explicitada pela funcionária: tentar acionar o ministério público para ver se a tal sensibilidade administrativa aparece, que é o que me resta. Mas confesso que a situação é desanimadora, desalentadora, ainda mais em tempos tão retrógrados e nebulosos como os atuais.

São Paulo, 13 de Agosto de 2018.

Fontes: