domingo, 13 de setembro de 2020

 


Molho ao Sugo

Cozinhar pra mim é exercitar as memórias afetivas. Bisneta de uma italiana com mãos de ouro na cozinha cresci entre talentosas cozinheiras. Os almoços de domingo na casa da D. Ernesta tinham cheiro de macarronada com frango assado. O capricho começava no sábado à tarde quando a base do molho era preparada e o frango ia marinar no vinho d’alho para ser assado na manhã seguinte; quando a massa era caseira, em geral Gnocchi, a batata Asterix já tinha sido cuidadosamente selecionada nas compras semanais. Esperar a família para o almoço domingueiro era um evento cercado de cuidados, carinhos e rituais. Dessas lembranças o molho de tomate, sempre uma base de molho ao sugo, é o que mais ficou na memória. Molho de tomate tem aroma da minha infância paulista e o amor da nona.

Ontem resolvi fazer molho ao sugo, como uma gatilho Proustiano essa memória afetiva que reside nos aromas e gostos da infância foi acessada. Fazer um bom molho começa na escolha do tomate, eles precisam estar maduro, independentemente do tipo de tomate a ser escolhido. Ao escolher o tomate precisa-se ter o cuidado de selecionar aqueles totalmente vermelho escuro e menos firmes, aqueles que quando damos uma leve apertada o dedo cede. Minha bisavó dizia que na Itália, na região onde ela cresceu, a província de Pescara, o melhor tomate era o caqui, aqui em terras tupiniquins, o Italiano é o mais requisitado. Ontem, pela safra, escolhi um mistura de Italianos com Rasteiros.

Molho ao Sugo (ou seja liso) é um dos mais demorados, em geral sua base demora de 2 a 3 horas entre cortar os tomates, cozinhar lentamente de 1 a 2 horas em fogo médio a baixo, peneirar e temperar, por isso na tradição da minha família, a base era feita no sábado para facilitar e não atrasar o almoço no Domingo, meu bisavó, um simpático húngaro era um virginiano rigoroso com horários.

Na família o molho da minha bisavó tinha suas versões nas mãos da minha tia avó, da minha avó e da minha mãe, nessa saudável disputa de acréscimos e mudanças da receita original ocorriam o incremento de novos temperos e alteração na técnica de preparo, o que era imutável era o cuidado em produzir um molho digno dos almoços de domingo. Ontem aventurei a minha técnica particular, uma lembrança aqui, uma preferência ali e meu molho foi feito com os tomates cozidos com casca, semente e alguns temperos da horta daqui de casa (manjericão e tomilho), depois foi batido no liquidificador (tomates e temperos) e coado.

Quando somos jovens assusta quando uma pessoa mais velha afirma estar cada vez mais parecida com a mãe, avó ou qualquer outro parente mais velho ou já falecido, para um coração ávido pelas descobertas da juventude essa constatação parece uma sina de que jamais vamos nos libertar da família. Mas com o tempo o que descobrimos é que essas semelhanças são o resgate de nossa ancestralidade, ao envelhecer vão nos habitando nossas avós, tias e mãe e com elas um conhecimento silencioso é despertado, esse saber remonta as nossas origens e nos fortalece. Somos as mulheres ou os homens que nos criaram e que nos prepararam para a vida adulta; ontem fui D. Ernesta, tia Nena, vovó linda e minha mãe, todas me ajudando a prepara o almoço de domingo e produzir um molho digno desse evento.