segunda-feira, 13 de agosto de 2018

IDOSOS E A INSENSIBILIDADE ADMINISTRATIVA NO BRASIL


Estou vivendo um drama familiar e gostaria de compartilhar, acredito que quando se tem um problema deve-se dividi-lo, trocar experiências, e criar uma rede de solidariedade e empatia, sensibilizar pelas experiências individuais os dramas comuns.
Minha sogra que é idosa, 92 anos, está com quadro de demência senil já há alguns anos. Está acompanhada por médicos, geriatras, etc. Depois da morte de um de seus filhos o quadro agravou. Recentemente a médica da UBS nos deu uma guia para o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) para um possível encaminhamento para um Centro Dia do Idoso (CDI) ou um ILPI (Instituto de Longa Permanência para Idosos).
Hoje consegui ir ao CRAS e dar o tal do encaminhamento necessário, péssima experiência. Constatei na prática aquilo que já sabia na teoria, o Estado é deficiente nas ações para a população idosa e seus familiares. Não pelo atendimento no órgão (CRAS), aliás fui bem atendida e acolhida, mas pela falta de alternativas que se descortinou a partir das informações recebidas.
 A primeira decepção: O CDI (as chamadas creche dos idosos) “é um equipamento social destinado à atenção diurna de pessoas idosas em situação de dependência, em que uma equipe multidisciplinar presta serviço de proteção social especial e de cuidados pessoais, fortalecimento de vínculos, autonomia e inclusão social”. Atende apenas pessoas do bairro no qual está instalado, não existe CDI em Pirituba onde moramos, o mais próximo é na Lapa e está fora da região de abrangência.
Segunda decepção na sequência: O ILPI que são locais de “acolhimento para pessoas idosas com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, com diferentes necessidades e graus de dependência, que não dispõem de condições para permanecer na família, ou para aqueles que se encontram com vínculos familiares fragilizados ou rompidos, em situações de negligência familiar ou institucional, sofrendo abusos, maus tratos e outras formas de violência, ou com a perda da capacidade de auto cuidado”. Este não se encaixa no tipo de assistência que necessitamos e tem um agravante, a pessoa que vai requerer o serviço não pode ter renda, minha sogra dispõe de uma pensão no valor de um salário mínimo. Sem comentários.
Quem já passou por situação semelhante sabe que o custo para uma família arcar com uma instituição particular ou profissionais particulares para idosos dependentes é muito caro, serviços como creches para idosos ou cuidadores em valores atuais, mesmo num bairro de baixa renda, como o que eu moro, são serviços que estão na faixa de 2000 a 3000 reais por mês.  Gasto que está muito além de qualquer renda familiar da classe média, média baixa ou de baixa renda.
Reportagem divulgada pela rádio da USP em Junho de 2018 aponta que em 2016 o Brasil tinha a 5ª maior população de idosos do mundo e que em 2030 o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos, a reportagem alerta ainda para o fato de que o país não se encontra preparado para enfrentar os desafios que o envelhecimento populacional representa. O maior deles, segundo a citada reportagem, não seriam as políticas públicas, ainda muito insuficientes para atender ao envelhecimento constante da população, mas “a ausência de sensibilidade administrativa para conduzir os serviços sociais”.
Recentemente, meu esposo viu uma reportagem sobre os idosos em Cuba, sim aquela ilha “comunista” perdida nos mares do Atlântico e ficou impressionado com o número de idosos no país e os serviços oferecidos; lá, diferente daqui, os Centros Dias de Idosos, carinhosamente chamados de Casas dos Avôs, são espalhados pelo país, e em 2017 eram 280 casas; apesar das desigualdades entre o Brasil e Cuba serem muitas, neste caso específico a maior diferença é a sensibilidade administrativa para conduzir o problema.
Quando há sensibilidade existe a elaboração e implementação de políticas públicas necessárias  eficientes (em Cuba em 2011 o então presidente Raul Castro considerou o envelhecimento da população um assunto sério e prioritário, em 2013 foi sancionado o decreto para medidas imediatas para o atendimento às Casas de Avôs e Lares de Idosos, em 2017 o número de centros tinha aumentado consideravelmente no país para atender a demanda da população), existe o cuidado em elencar serviços e profissionais ajustados às demandas e também existe a possibilidade de adequar os serviços as necessidades apresentadas pela população. Infelizmente isso eu não encontrei na minha ida ao CRAS. O que me deparei foi com um engessamento burocrático de serviços que não chegam ou não estão disponíveis à população porque fogem à “regra”. Mas a regra não deveria ser oferecer o serviço a quem precisa e quando se precisa?
Vejam bem, Pirituba é um bairro vizinho ao da Lapa onde está localizado o CDI, porque não oferecer um serviço já com a possibilidade de atendimento aos bairros vizinhos quando o mesmo não existir em um bairro? Não é muito este tipo de raciocínio para os serviços públicos, é bom senso, é razoável, é a sensibilidade administrativa em prática.
O que me pergunto é: não existe nenhuma outra possibilidade neste caso? Sento e choro?! Despacho minha sogra pra Cuba?! Na realidade existem duas, uma bem conhecida de nós brasileiros e quase sussurrada pela funcionária sensibilizada que me atendeu: o famoso “Jeitinho”; se eu conseguir alguém que me empreste o endereço de residência na Lapa, posso inscrever minha sogra na lista de espera do programa e aguardar para ver se seremos contemplados a tempo. São 92 aos, não temos muito tempo. A segunda, explicitada pela funcionária: tentar acionar o ministério público para ver se a tal sensibilidade administrativa aparece, que é o que me resta. Mas confesso que a situação é desanimadora, desalentadora, ainda mais em tempos tão retrógrados e nebulosos como os atuais.

São Paulo, 13 de Agosto de 2018.

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