Quem me conhece
sabe o quanto amo a minha profissão, professora, apesar de ser formada, ter
mestrado e doutorado na área de ciências sociais, poucas vezes me intitulei
outra coisa que não professora. Sala de aula sempre foi lugar de prazer e
realização, se nem sempre pude transmitir isso aos meus alunos, foi sempre
assim que me senti, realizada e feliz.
Infelizmente,
neste dia 15 de Outubro de 2018 pela primeira vez em 21 anos de profissão, não
tenho nada a comemorar. Fui demitida em Junho passado da instituição na qual
trabalhei por 20 anos não por ser uma profissional ruim ou que envelheceu para
o ofício, fui demitida pelo simples fato de ser uma profissional cara,
competente, mas cara.
Costuma-se
repetir nos chavões populares que professor é hoje uma profissão desrespeitada,
sucateada e mal paga. Muitos gostam de postar e enfatizar como o professor é respeitado
e valorizado no país X e Y, mas poucos, muito poucos fazem realmente alguma
coisa para mudar a situação no país em que mora e onde o magistério é visto
como uma profissão menor, desvalorizada. Se vocês forem cuidadosos e procurarem
dados oficiais vão ver em quais locais e porque os cursos de licenciatura ou
magistério são abertos e vão entender que no Brasil professor é profissão de
pobre e periférico e isso porque se tinha a ideia de que: “Professor não fica
desempregado (não ficava), ganha pouco, mas tem trabalho”. Essa já não é mais
uma máxima. Professor fica SIM desempregado e cada vez mais encontra menos
opção de emprego e quando encontra as condições de trabalho são tão precárias e
vergonhosas que desanima a recolocação no mercado de trabalho. Professor não é
um profissional com um tempo pequeno de formação (4 anos); seja para o
magistério fundamental, médio ou superior a formação precisa ser contínua,
requer anos de estudo, tempo e dinheiro empregado e o retorno financeiro para
este investimento hoje é praticamente nulo.
Meu segundo
motivo para não ter nada a comemorar não é só saber que a situação do
magistério atual é catastrófica, mas saber que ela tende a piorar! As análises
mais recentes feitas por especialistas apontam (sugiro uma consulta ao material
que o SINPRO-SP está produzindo sobre a questão) para uma maior precarização da
profissão em decorrência do processo de mercantilização do ensino e das
mudanças na CLT que passaram a permitir a terceirização da atividade fim de um
comércio. No Brasil os conglomerados educacionais, fomentados pelo capital
estrangeiro, estão contribuindo para tornar o ensino um negócio altamente
lucrativo e isso, na conta dos investidores, só pode acontecer se a mão de obra
empregada for barata, não interessa que na contra partida a qualidade do ensino
oferecido seja ruim, o importante é o lucro obtido.
Na maioria das
instituições particulares, não só o valor do salário está corroído, cada vez
paga-se menos ao profissional com muita qualificação, mas se deteriora também o
próprio ofício que está cada vez mais burocratizado e engessado por propostas
pedagógicas tecnicistas e tacanhas na quais o professor é concebido como um mero
reprodutor de ideias ou “facilitador” de ideias ruins; a mediação crítica,
essencial para o aprendizado, está desaparecendo. As metodologias ativas, tão
na moda ultimamente, têm servido apenas para consolidar esse quadro, são raros
os casos nos quais ela realmente está sendo empregada com propriedade e permite
a crítica e a reflexão. O discurso é de autonomia, a prática é de opressão.
Tão desanimador
quanto o quadro atual é saber que ele pode e vai pior muito. O candidato à
frente nas pesquisas eleitorais não pontua em seu plano de governo nenhuma preocupação
em relação ao desmonte e precarização ocorridas com o magistério; ao contrário,
em suas propostas o que se encontra são mecanismos para agravar ainda mais a
situação existente. Estão inclusos em seu plano de governo ideias/chavões como “Escola
sem partidos”, “menor doutrinação nas escola”, sabe-se que o que se propõe com
isso é justamente o inverso do que se prega. “Não doutrinar” é não abrir espaço
para o diálogo de ideias, é expurgar a reflexão crítica do processo de
aprendizagem. Porque ensino por princípio não doutrina ninguém, mas estimula o
debate e a reflexão para gerar independência de pensamento, aliás proposta muito
antiga, socrática para quem ensinar era a arte de parir ideias. Achar que isso
não ocorre é desconhecer o processo pedagógico.
O simples fato do candidato cogitar para
ensino fundamental um modelo à distância (que supostamente vai aumentar o
acesso das crianças à escola e pasmem, a proposta pensa principalmente as áreas
rurais, onde o acesso ao mundo virtual
muitas vezes é inexistente!) e criticar as bases da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) porque “impregnadas”
da ideologia de Paulo Freire é reforçar que o que se pretende para o ensino é
que ele não seja o espaço para gerar pessoas críticas e com autonomia de
pensamento, aliás proposta basilar da pedagogia freiriana tão massacrada no infame
plano de governo. O mais contraditório é que mapas sobre a qualidade do ensino
no Brasil estão presentes em seu plano, mas suas ações direcionam a educação
para o oposto da constatação do fato.
Enfim, não tenho
nada a comemorar, a situação é crítica, desanimadora e insegura para pessoas
como eu que fizeram do magistério mais do que uma profissão, fizeram dele seu
propósito de vida. É triste saber que o ensino está se transformando em uma
mercadoria ruim, já é ruim saber que um direito fundamental como a educação
possa ser cogitado como mercadoria, saber que ele é apenas cogitado como uma
mercadoria, é ainda pior. Saber que a única ferramenta contra o obscurantismo,
a opressão e a alheação é a educação e que por isso mesmo ela está sendo
massacrada e estrangulada com propostas mercantilistas e alienadoras, dói
profundamente!
Gostaria de
vislumbrar um futuro melhor, mas não consigo. Gostaria de trazer palavras de
esperança e otimismo aos jovens que sempre me encantaram e fascinaram pelo
frescor da vida que eles representam, mas não as tenho. Mas guardo no fundo do
peito, otimista como sou, que um dia elas irão brotar novamente e poderei escrever
uma nova carta/desabafo, cujo título será: Tudo a comemorar!!!
Um texto digno de uma professora Magna. Pelo que lhe conheço, você terminou esse texto em lágrimas. Sempre me pargubto: onde, nós professores, erramos? O que podemos fazer para corrigir o erro? Com certeza teremos que reconquistar esse espaço nesse País. Esse espaço não virá de "mão beijada".
ResponderExcluirPerfeito! Lembrando: somos quem podemos ser... sonhos que podemos ter. A Roda da Fortuna voltará a girar, só não sabemos se cá estaremos por testemunha.
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