Meses se passaram na ausência dos amigos. Com a vida corrida,
os afazeres se acumulando não percebia que sentia falta das almas amigas, das
mentes irmãs.
A vida moderna e seu ritmo impresso pelo trabalho aprisiona os
seres em cavernas povoadas de estranhos. A existência é solitária e comunitária
numa simultaneidade de encontros e desencontros, afinidades e antipatias.
Notou que precisava das afinidades. Não da uniformidade, mas dos
semelhantes em espírito, mesmo que divergentes em ideias. Os seus pares
precisam ser como ele, espíritos livres, corações tolerantes e abertos à
diversidade, a multiplicidade da vida. O convívio com a diferença é o
grande desafio da vida social. Exercício que é por vezes cansativo e indigesto.
Porque achar certo que o sectário político ou religioso possa andar livre
proferindo ridículas afirmativas sobre suas crenças? Aquilo lhe era
intolerável. Pronto! Era ele mesmo um preconceituoso, um prosélito. Suas idéias
liberais esbarravam no propósito final do liberalismo: a própria liberdade.
Então não era um liberal, era um partidário convicto da
impossibilidade da convivência da diversidade, ou melhor, era convicto que a
diversidade precisa ser mediada por regras e limites, afinal ela não é
libertinagem, requer disciplina!
Praticamente um conservador e antiliberal, desceu a rua em busca
de um orelhão, não havia ainda, na vida privada, aderido as modernidades, deixa
os e-mails e celulares para o ambiente de trabalho. Local em que não é livre.
Pretendia marcar apenas um bate-papo informal e despretensioso com
os companheiros da boemia e da devassidão, seus camaradas de armas.
Para quem ligar primeiro? Olhou o relógio, era cedo, 20:00 horas
de uma infinita sexta-feira. Bom, qualquer um devia estar livre para a noitada
que se anunciava em seu peito. Discou ansioso para o primeiro número que
lembrou, o Carlão.
Em viagem ao Peru? Por Deus, quem viaja ao Peru? Tinha o Carlão
que ser engenheiro de obras e saneamento e participar de uma conferência
internacional sobre saneamento urbano no Peru?
O Roberto, esse era bancário, não devia estar em nenhum lugar
que não fosse a sua casa assistindo a televisão.
No pronto socorro com o bebe de 6 meses. Mas já nasceu? Não estava
grávida a Aninha? Como são rápidos os nascimentos hoje em dia.
Felipe, esse era difícil, empreiteiro de obras, filósofo de
formação, mas construtor por vocação familiar. Em Santos concluindo uma obra.
Eram quase favas contadas.
O Leandro e a Kátia, casal sem filhos, ele editor, ela dona de
galeria. Separados? Há um ano? Qual motivo? Ele resolveu assumir a homossexualidade?
Era gay? Que choque! Topava sair no sábado, tinha um compromisso com o novo
namorado hoje. Ok. Vamos marcar claro, sou mais ou menos um liberal, por que
não? Ou sou um conservador que acha que é liberal?
Desistiu. Ainda restavam alguns números, mas havia perdido o
tesão. Lembrou do relatório que precisava entregar na segunda e achou melhor
começar hoje mesmo. Deu a volta e seguiu em direção ao metrô numa marcha lenta
e resignada, igual às percorridas pelos derrotados de guerra quando retornam ao
lar.
Ameiiiiiiiiii, Adriana adoro ler cronicas adoro, muito interessante.Regina-Naturologia.
ResponderExcluiroi re, que legal que gostou! obrigada!
ResponderExcluirNossa, Dri, muito boa, um liberal anti-liberal (como todos). Parabéns! Inaê
ResponderExcluircomo tds nós!!!
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