sábado, 28 de novembro de 2020

“A esperança vai vencer o ódio”: porque vou votar na chapa Boulos e Erundina.

 


Para além de um lema de campanha essa frase se tornou um desejo incontestável para muitos brasileiros. Desde o golpe sofrido pela ex presidenta Dilma Roussef em 2015 e a desastrosa eleição de uma das figuras mais nefasta da política nacional para a presidência desta nação, nós brasileiros perdemos alguma coisa; perdemos a esperança, aquela que tilintava em nossos corações desde meados da década de 80 com o movimento das Diretas Já e da redemocratização; perdemos um apreço pelo país que em tão pouco tempo retrocedeu em vitórias democráticas duramente conquistadas ; perdemos a fé uns nos outros, olhamos de lado e descobrimos que conhecidos, vizinhos, parentes, pessoas de nosso convívio diário eram seres amargurados, preconceituosos, rancorosos com os avanços e direcionamentos democráticos, perdemos o rumo e por fim, perdemos o brilho nos olhos.

É claro que esse desabafo é meu, mas sei que não é solitário.

No último mês, no entanto, algo mudou, alguma coisa começou a soprar fora da ordem, desta normatização reacionária, autoritária, quase fascista que tomou conta do mundo e do Brasil nos últimos anos, um sopro manso vindo de pessoas idealistas que lutam independente da maré e que foi ganhando fôlego, adesão e que começou a inflar corações amortecidos pela dor, pelo horror, pelo descaso e, aos poucos, se tornou uma ventania, destas disposta a varrer e a limpar o medo e a apatia presente em milhares de brasileiros. E essa ventania tem nome, sigla, número, endereço, é a chapa Boulos e Erundina do Psol para a prefeitura da cidade de São Paulo.

Que sopro é esse capaz de levar para o segundo turno da maior cidade do país um candidato pouco conhecido e oriundo de um movimento social marginalizado em nosso sociedade como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto)? Um jovem idealista da classe média cuja trajetória de vida é um exemplo de vocação militante, aquela estudada e conceituada pelo sociólogo Max Weber. Quem é esse rapaz de grande eloquência, carisma e sensibilidade social aguçada que preteriu o conforto e privilégio de classes mais abastadas para se entregar de corpo e alma a uma vida em prol de causas sociais? Guilherme Boulos é, sem dúvida, um ser humano diferenciado, assim como foram outras pessoas com essa vocação militante seja para a política, como Che Guevara ou para o sacerdócio, como S. Francisco de Assis; faz parte de um Hall de criaturas que compram para si a missão de mudar o mundo, de fazer dele o lugar ideal que elas imaginam ser possível, sei bem como é isso, sou filha de dois desses seres humanos.

Mas esse sopro não vem de uma só garganta, vem de mais uma, a de uma Senhora idealista (isso mesmo com S maiúsculo) que está a muitos anos fazendo política para também tentar mudar o mundo. Luiza Erundina dispensa apresentações, mas pede reconhecimento. No auge dos seu 85 anos, com uma vida pública na política a altura de figuras como Prestes, Lula, Leonel Brizola e tantos outros, é hoje um dos quadros mais sólidos e reverenciado da ala progressista deste país, e está fazendo a diferença nessa campanha; não só por sua experiência e trajetória, mas porque ela inspira, ilumina e não deixa desanimar os corações militantes. É um exemplo.

Bom, mas porque meu voto? Poderia aqui desfiar um rosário de tom racional sobre como o projeto político da chapa é qualitativamente melhor que o de seu oponente tanto por contemplar uma visão mais igualitária da vida quanto por não se curvar ao modelo econômico neoliberal tão devastador. Mas meu voto não está baseado apenas numa perspectiva objetiva de qual é a melhor proposta de governo para a cidade de São Paulo. Meu voto está diretamente ligado ao lema da campanha:  A esperança vai vencer o ódio, está ligado a possibilidade de ter novamente aquele brilho nos olhos que herdei dos meus pais militantes que me ensinaram que sim, é possível construir um mundo mais justo e melhor; está ligado a coragem; a possibilidade de mudança; ao desejo de ser feliz novamente. E esse, sei, não é um sentimento isolado meu é, também, o de milhares de brasileiros fartos do marasmo e da apatia que nos inundou nesses últimos anos tão sombrios.

Independentemente do resultado das urnas, Guilherme Boulos e Luiza Erundina já são vencedores e não estão triunfando sozinhos, estão carregando milhares de brasileiros com eles, gente de todos os cantos desse país: do sul, do sudeste, do norte, do centro-oeste e do nordeste, pessoas, assim como eu, que voltaram a ter esperança, que recuperaram a garra, a vontade de lutar por um país melhor, mais igualitário, respeitoso, plural e, principalmente, democrático.

Domingo, a esperança vai vencer o ódio, o medo e eu vou votar 50 para voltar a ser feliz!  




domingo, 13 de setembro de 2020

 


Molho ao Sugo

Cozinhar pra mim é exercitar as memórias afetivas. Bisneta de uma italiana com mãos de ouro na cozinha cresci entre talentosas cozinheiras. Os almoços de domingo na casa da D. Ernesta tinham cheiro de macarronada com frango assado. O capricho começava no sábado à tarde quando a base do molho era preparada e o frango ia marinar no vinho d’alho para ser assado na manhã seguinte; quando a massa era caseira, em geral Gnocchi, a batata Asterix já tinha sido cuidadosamente selecionada nas compras semanais. Esperar a família para o almoço domingueiro era um evento cercado de cuidados, carinhos e rituais. Dessas lembranças o molho de tomate, sempre uma base de molho ao sugo, é o que mais ficou na memória. Molho de tomate tem aroma da minha infância paulista e o amor da nona.

Ontem resolvi fazer molho ao sugo, como uma gatilho Proustiano essa memória afetiva que reside nos aromas e gostos da infância foi acessada. Fazer um bom molho começa na escolha do tomate, eles precisam estar maduro, independentemente do tipo de tomate a ser escolhido. Ao escolher o tomate precisa-se ter o cuidado de selecionar aqueles totalmente vermelho escuro e menos firmes, aqueles que quando damos uma leve apertada o dedo cede. Minha bisavó dizia que na Itália, na região onde ela cresceu, a província de Pescara, o melhor tomate era o caqui, aqui em terras tupiniquins, o Italiano é o mais requisitado. Ontem, pela safra, escolhi um mistura de Italianos com Rasteiros.

Molho ao Sugo (ou seja liso) é um dos mais demorados, em geral sua base demora de 2 a 3 horas entre cortar os tomates, cozinhar lentamente de 1 a 2 horas em fogo médio a baixo, peneirar e temperar, por isso na tradição da minha família, a base era feita no sábado para facilitar e não atrasar o almoço no Domingo, meu bisavó, um simpático húngaro era um virginiano rigoroso com horários.

Na família o molho da minha bisavó tinha suas versões nas mãos da minha tia avó, da minha avó e da minha mãe, nessa saudável disputa de acréscimos e mudanças da receita original ocorriam o incremento de novos temperos e alteração na técnica de preparo, o que era imutável era o cuidado em produzir um molho digno dos almoços de domingo. Ontem aventurei a minha técnica particular, uma lembrança aqui, uma preferência ali e meu molho foi feito com os tomates cozidos com casca, semente e alguns temperos da horta daqui de casa (manjericão e tomilho), depois foi batido no liquidificador (tomates e temperos) e coado.

Quando somos jovens assusta quando uma pessoa mais velha afirma estar cada vez mais parecida com a mãe, avó ou qualquer outro parente mais velho ou já falecido, para um coração ávido pelas descobertas da juventude essa constatação parece uma sina de que jamais vamos nos libertar da família. Mas com o tempo o que descobrimos é que essas semelhanças são o resgate de nossa ancestralidade, ao envelhecer vão nos habitando nossas avós, tias e mãe e com elas um conhecimento silencioso é despertado, esse saber remonta as nossas origens e nos fortalece. Somos as mulheres ou os homens que nos criaram e que nos prepararam para a vida adulta; ontem fui D. Ernesta, tia Nena, vovó linda e minha mãe, todas me ajudando a prepara o almoço de domingo e produzir um molho digno desse evento.