Estou vivendo um
drama familiar e gostaria de compartilhar, acredito que quando se tem um
problema deve-se dividi-lo, trocar experiências, e criar uma rede de
solidariedade e empatia, sensibilizar pelas experiências individuais os dramas
comuns.
Minha sogra que é
idosa, 92 anos, está com quadro de demência senil já há alguns anos. Está
acompanhada por médicos, geriatras, etc. Depois da morte de um de seus filhos o
quadro agravou. Recentemente a médica da UBS nos deu uma guia para o CRAS (Centro
de Referência de Assistência Social) para um possível encaminhamento para um Centro
Dia do Idoso (CDI) ou um ILPI (Instituto de Longa Permanência para Idosos).
Hoje consegui ir ao
CRAS e dar o tal do encaminhamento necessário, péssima experiência. Constatei
na prática aquilo que já sabia na teoria, o Estado é deficiente nas ações para
a população idosa e seus familiares. Não pelo atendimento no órgão (CRAS),
aliás fui bem atendida e acolhida, mas pela falta de alternativas que se
descortinou a partir das informações recebidas.
A primeira decepção: O CDI (as chamadas creche
dos idosos) “é um equipamento
social destinado à atenção diurna de pessoas idosas em situação de dependência,
em que uma equipe multidisciplinar presta serviço de proteção social especial e
de cuidados pessoais, fortalecimento de vínculos, autonomia e inclusão social”. Atende apenas pessoas do bairro no qual está instalado, não existe CDI
em Pirituba onde moramos, o mais próximo é na Lapa e está fora da região de
abrangência.
Segunda decepção na
sequência: O ILPI que são locais de “acolhimento para pessoas idosas com 60 anos ou mais, de ambos
os sexos, com diferentes necessidades e graus de dependência, que não dispõem
de condições para permanecer na família, ou para aqueles que se encontram com
vínculos familiares fragilizados ou rompidos, em situações de negligência
familiar ou institucional, sofrendo abusos, maus tratos e outras formas de
violência, ou com a perda da capacidade de auto cuidado”. Este não se encaixa
no tipo de assistência que necessitamos e tem um agravante, a pessoa que vai
requerer o serviço não pode ter renda, minha sogra dispõe de uma pensão no
valor de um salário mínimo. Sem comentários.
Quem já passou por
situação semelhante sabe que o custo para uma família arcar com uma instituição
particular ou profissionais particulares para idosos dependentes é muito caro, serviços
como creches para idosos ou cuidadores em valores atuais, mesmo num bairro de
baixa renda, como o que eu moro, são serviços que estão na faixa de 2000 a 3000
reais por mês. Gasto que está muito além
de qualquer renda familiar da classe média, média baixa ou de baixa renda.
Reportagem
divulgada pela rádio da USP em Junho de 2018 aponta que em 2016 o Brasil tinha
a 5ª maior população de idosos do mundo e que em 2030 o número de idosos ultrapassará o total de
crianças entre zero e 14 anos, a reportagem alerta ainda para o fato de que o país não se encontra preparado para enfrentar os desafios que o
envelhecimento populacional representa. O maior deles, segundo a citada
reportagem, não seriam as políticas públicas, ainda muito insuficientes para
atender ao envelhecimento constante da população, mas “a ausência de sensibilidade administrativa para conduzir os
serviços sociais”.
Recentemente, meu esposo viu uma reportagem sobre os idosos
em Cuba, sim aquela ilha “comunista” perdida nos mares do Atlântico e ficou
impressionado com o número de idosos no país e os serviços oferecidos; lá, diferente
daqui, os Centros Dias de Idosos, carinhosamente chamados de Casas dos Avôs, são espalhados pelo
país, e em 2017 eram 280 casas; apesar das desigualdades entre o Brasil e Cuba
serem muitas, neste caso específico a maior diferença é a sensibilidade administrativa para conduzir o problema.
Quando há sensibilidade existe a elaboração e implementação
de políticas públicas necessárias
eficientes (em Cuba em 2011 o então presidente Raul Castro considerou o
envelhecimento da população um assunto sério e prioritário, em 2013 foi
sancionado o decreto para medidas
imediatas para o atendimento às Casas de Avôs e Lares de Idosos, em 2017 o
número de centros tinha aumentado consideravelmente no país para atender a
demanda da população), existe
o cuidado em elencar serviços e profissionais ajustados às demandas e também
existe a possibilidade de adequar os serviços as necessidades apresentadas pela
população. Infelizmente isso eu não encontrei na minha ida ao CRAS. O que me deparei
foi com um engessamento burocrático de serviços que não chegam ou não estão
disponíveis à população porque fogem à “regra”. Mas a regra não deveria ser
oferecer o serviço a quem precisa e quando se precisa?
Vejam bem, Pirituba é um bairro vizinho ao da Lapa onde está
localizado o CDI, porque não oferecer um serviço já com a possibilidade de
atendimento aos bairros vizinhos quando o mesmo não existir em um bairro? Não é
muito este tipo de raciocínio para os serviços públicos, é bom senso, é
razoável, é a sensibilidade administrativa em prática.
O que me pergunto é: não existe nenhuma outra possibilidade
neste caso? Sento e choro?! Despacho minha sogra pra Cuba?! Na realidade existem
duas, uma bem conhecida de nós brasileiros e quase sussurrada pela funcionária
sensibilizada que me atendeu: o famoso “Jeitinho”; se eu conseguir alguém que
me empreste o endereço de residência na Lapa, posso inscrever minha sogra na
lista de espera do programa e aguardar para ver se seremos contemplados a
tempo. São 92 aos, não temos muito tempo. A segunda, explicitada pela
funcionária: tentar acionar o ministério público para ver se a tal
sensibilidade administrativa aparece, que é o que me resta. Mas confesso que a
situação é desanimadora, desalentadora, ainda mais em tempos tão retrógrados e
nebulosos como os atuais.
São Paulo, 13 de Agosto de 2018.
Fontes: