...Tem gente de toda cor
Tem raça de toda fé
Guitarras de rock’n roll
Batuques de candomblé...
Ontem eu fui no
ato da Paulista pela Democracia, pela manutenção do Estado de Direito e contra
o golpe. Não ia. Mas fui compelida a ir depois de assistir estarrecida em rede
nacional a divulgação do grampo da conversa entre o ex-presidente Lula e a
presidente Dilma. Antes de encerrar as transmissões do julgamento do STF sobre
o rito de impeachment em caráter de urgência e exclusividade a rede de TV Globonews
parou a transmissão do supremo que referendava a decisão de dezembro último
sobre o rito do processo impeachment e apresentou o tal grampo.
Foi difícil,
parecia um pesadelo, daqueles que você quer acordar depressa para não ficar
presa. Desse momento em diante uma tensão muito grande tomou conta de mim. Por
mais racional que eu quisesse ser, foi impossível, um passado muito recente,
não adormecido pelo tempo, gritou mais alto. Passei três dias com uma enxaqueca
incessante. Talvez, efeito do choque pós-traumático, não do grampo, mas do
regime de exceção que vivemos neste país por longas duas décadas e que num
piscar de olhos, numa cochilada, configura seu retorno.
Eu fiquei
perplexa com a situação, como assim grampo com a presidência? Quem autorizou?
Como em rede nacional com exclusividade? E as regras e a lei e a ética? Afinal
não é disso que se trata tudo isso? Aos menos esclarecidos e preocupados com um
conteúdo, penso que o mesmo pode ter várias interpretações se deslocado de
contextos posteriores do qual não tive acesso. Ah, mas o conteúdo é
explícito... dizem uns, Ah! Mas os atos arbitrários também são explícitos. Ser
contrário a corrupção todo mundo é, querer que ela seja seriamente combatida é
o desejo de todos, pelo menos aquele expresso publicamente (não conheci ninguém
abertamente a favor da corrupção até hoje na minha vida). Os fins não
justificam os meios. Se existe ilegalidade e desmandos por um lado, não pode
haver, em hipótese nenhuma, na parte contrária, quando se está empenhado em investigar
e colocar fim a corrupção vestígios de ilícitos ou favorecimentos. A justiça
tem que ser imparcial e agir dentro da mais estrita legalidade ou é isso, ou não
existe credibilidade possível ou pior, não é justiça. É golpe.
Me vi acuada. Eu
que me distanciara de uma militância política mais intensa por discordar de
rumos tomados por parte do movimento de esquerda neste país, estava sem saída.
O momento pedia ação. As divergências, pensei, precisam ficar em segundo plano
agora porque o que está em jogo é o futuro de um projeto de nação pelo qual eu
sempre lutei, e que com certeza, e com mais certeza, depois de ontem,
continuarei lutando.
Eu acredito numa
sociedade mais igualitária, com maior justiça social, eu acredito em
distribuição de renda, eu acredito na inclusão, aceitação e respeito para com
as minorias, eu acredito numa visão ecológica de desenvolvimento, não num
projeto econômico liberal, eu acredito numa sociedade mais justa e igualitária.
Eu acredito no Estado Democrático de Direitos.
Eu vou, defini.
Um espírito guerreiro ancestral familiar soprou em meus ouvidos ( rsrsrs...) e
pensei: sem gritaria, sem presença na rua, o projeto político que eu acredito
vai degringolar diante dos meus olhos. Sempre se pode começar de novo, e
começaremos, se necessário. Mas andar dez casas para trás no tabuleiro a essa
altura do campeonato é duro, pensei.
Sempre fui de me
manifestar, não escondo minhas ideias, só não percebe quais são elas quem não
me conhece ou quem não sabe o que são ideologias. Ontem de manhã no café entre
colegas da faculdade já precisei me posicionar e o fiz, óbvio na via contrária
do discurso e do projeto neoliberal assumido por boa parte da classe média
brasileira, inclusive por parte dos colegas professores universitários. Num
argumento rasteiro de me pressionarem ser eu “a favor da corrupção” porque iria
no ato do PT, repliquei: Não é do PT. É pela Democracia. Ah! Mas foi convocado
pelo PT e a corja (aí meus sais!!!!), e vão ovacionar Lula. Que seja, respondi. Os conservadores (e sim, isso se trata de posições políticas claramente definidas,
iludido ou mal informado quem pensa o contrário), não deixaram alternativa. Então
vá ser a favor, replicaram. Então eu vou ser a favor, me posicionei. (Mas ainda
não tão convicta).
Nem preciso
falar da tal enxaqueca que a essa altura estava gritando! Fomos, eu, meu
companheiro e muitos amigos de esquerda com visões e atitudes próximas a mim.
Muitos, como eu, longe das ruas e da militância há muito tempo. Fui de branco,
já estava com bode de uma utilização alienante de cores e símbolos (esse bode
continua).
Tímidos, no
metrô, apostando sermos nós uma minoria (como historicamente sempre fomos nesse
país); amedrontados pelas possíveis consequências que poderiam vir da presença
no ato. Depois da FIESP bancar ostensivamente por 2 dias o fechamento da Av.
Paulista em prol dos manifestantes contrários a Dilma, PT, etc. Avenida esta
que para ser fechada aos Domingos como via de lazer, deu trabalho, seguimos.
Fomos observando as pessoas, fisionomias, cor de roupa (A neurose Rsrsrs...) de
repente um grupo de vermelho gritando: Não vai ter golpe! O movimento social
estará presente, pensei. Claro esses têm que estar presente.
Chegamos. Subimos
do metrô para a paulista. Gente, muita gente, um mar de gente e eram ainda 17
h. Foi quando a emoção foi tomando conta de mim, e pensei: essas pessoas não
são as pessoas da “sala de jantar preocupadas em nascer e morrer”. Elas são a
diversidade que eu não vi em nenhuma manifestação pró impeachment. Elas são os
negros, os movimentos sociais da cidade e do campo, elas são os estudantes das
escolas públicas de São Paulo, elas são os intelectuais, elas são as pessoas da
diversidade sexual, os artistas, os bancários, os sindicalistas, as pessoas da
esquina, da periferia, elas são o multiculturalismo brasileiro.
Eu me senti em
comunhão com elas. Eu queria abraçar a todas, eu me reconhecia no rosto de
todas as pessoas. Eu estava em festa. Nós estávamos em festa. Dançamos,
cantamos e nos sentimos estranhamente familiarizados com todos. Os rostos eram
amigos, mas eu não os conhecia, mas me reconhecia neles. Por duas vezes,
mulheres ligadas ao movimento social feminino vieram falar comigo porque
achavam que me conheciam.
Então me lembrei
da conversa mais dura que tivera no café com os colegas da faculdade. E pensei:
Não é pelo Lula que estamos aqui, é pelo projeto de país que ele representa.
Não é fácil fazer esta distinção, eu sei. Muitas pessoas que estavam presentes
ontem, talvez não dimensionem isso, mas muitas dimensionaram e muitas foram
pelo mesmo motivo que eu e meus amigos fomos.
No meio da
multidão, sem espaço quase para transitar de lá para cá, envolvida pela massa
de corpos, pelo êxtase da festa. Eu tive uma certeza. Meu lugar era ali, meu
lugar sempre foi ali. Entre os movimentos sociais, entre as pessoas que acreditam
numa sociedade mais justa e igualitária. E me indaguei: Por que eu me afastei
disso? Por que tanto tempo longe da rua? Por que longe de uma militância? Vou
continuar criticando e discordando sempre que eu achar que devo, sempre que eu
perceber que os caminhos, mesmo entre a esquerda, entre os movimentos sociais
se desviarem dos ideais que acredito. Mas vou fazer de dentro. Não mais de
fora. Estou a muito tempo dentro da academia e muito tempo longe da militância,
o equilíbrio entre elas deve vir da presença dos dois e não da ausência de um
deles.
Voltei para casa
feliz. Dormi bem. Acordei serena, tranquila. Não porque minha ida a Av.
paulista tenha mudado o rumo dos acontecimentos políticos do país. Foi
importante, com certeza. Nenhum projeto de país que se apresente na atual
conjuntura e que se direcione na via contrária dos ideários das pessoas que
ontem estavam na paulista, ou seja, um projeto de país que aposte na diminuição
do Estado de Direito Democrático, na diminuição da distribuição de renda e dos
direitos sociais vai acontecer sem briga, ontem isso ficou claro em todo o
país.
Mas acordei
serena comigo mesma. Com paz interior.
Sou e sempre fui
uma pessoa com projeto político e social claro e definido, nunca tive medo ou
receio de expor minhas ideias, sempre acreditei nelas. Sempre militei pela
causa e vou continuar militando e agora, mais do que nunca, sem medo de ser feliz!