domingo, 25 de março de 2012

A FÁBRICA

A infância é o tempo cristalizado.
Fecho os olhos e tenho 6 anos. Estou na fábrica. A alegria percorre a alma com os cheiros, barulhos, gostos, sensações. Uma é intensa, a sensação de estar de novo em casa, na fábrica em Jacareí.
O carro buzina duas vezes. Nelson, o motorista sinaliza com sua cabeleira branca nossa chegada. Os portões são abertos. Estou eufórica, quero descer e me perder na imensidão do chão da fábrica.
Preciso ser educada. Primeiro as pessoas. Entro na sala da administração e antes das pessoas, reconheço o cheiro. Cheiro de cimento, cheiro de coisa antiga. Tem água fresca na moringa de barro. Bebo. Prefiro água guardada em recipiente de barro.
Agora a manufatura. Beijos e afagos na entrada. Elogiam meu vestido, minha altura, meus modos. Corro. O coração palpita de felicidade. Achei. Sentei ao seu lado, é Pity. Carinhosamente sorri e me põe nas mãos uma tesoura, afasta-se no banco e convida, com o olhar meigo e amistoso, para que eu me sente e comece a tecer.
Teço a vida inteira, nunca esqueci. Contos os pontos e os tramo em nós. Depois são os barbantes, os garfos ajustando os fios, tesouras, a mudança da trama. Eu a atraso. Ela ganha pela quantidade de nós tecidos por dia, nunca se importou.
Na impaciência pueril deixo as moças tecendo e vou percorrer o que ainda resta. Passo pela sala de recortes, a sala dos desenhistas. Dobro a esquina e chego à tecelagem. O barulho das máquinas é ensurdecedor. Ando rápido.
Lá fora o dia está claro. Nunca choveu na fábrica, lá o céu sempre foi azul.
Chegou lã. Que maravilha! É como brincar nas nuvens: branco, macio e divertido.
As jabuticabeiras estão carregadas e as orquídeas floridas. Será que tem flores e jabuticaba no céu?
Ouço o apito, é tarde, o dia chegou ao fim. Quero ver o movimento da saída. As pessoas andam apressadas, conversam, despedem-se. Todas repetem uma mesma frase: - até logo seu Antônio.

PS: A Manufaturas de Tapetes Santa Helena funcionou até o ano de 1992.